Na onda dos alimentos naturais, o pão volta no tempo para tornar-se mais saudável. Atualmente, com a tendência crescente de produtos com melhor impacto na saúde, uma simples troca, às vezes, faz a maior diferença no resultado da receita. É o que acontece quando se substitui o fermento químico pelo natural no preparo de pães.
Fruto da panificação artesanal, sem adição de produtos químicos, o pão da moda é feito desde a antiguidade. O “levain” (pronuncia-se "le-van"), ingrediente que tem como base uma mistura de água e farinha, quando em contato com o meio ambiente, é tomada por micro-organismos presentes no ar (saccharomyces cerevisiae) e encontra ali um bom lugar para crescer, o que estimula a fermentação.
O empresário, professor universitário e chefe de cozinha Paulo Fernandes, de Araçatuba, é um dos que mantém viva a tradição de produção de pães por levain. Em seu espaço gastronômico, com foco em panificação e café, ele adota a fermentação em levain para um melhor resultado de cada novo pão.
Fernandes lembra que a técnica é francesa, mas que "nossos avós já faziam, que é aquela coisa do fermento de garrafa". Um dos pontos destacados no processo é a forma como a fermentação natural ocorre, facilitando o processo digestório. A longevidade da base, que pode perdurar por décadas, também é um ponto de destaque.
"A diferença é que na fermentação natural, o pão tem todas as características estruturais de quebra de enzima, tudo que é natural do pão é feito fora, no processo de fermentação. Então, quando você come, ele não refermenta para ser metabolizado", explica o chefe.
No processo de fermentação, aqueles que se beneficiam de fermento induzido, com algum aditivo químico, criam apenas uma estrutura de crescimento, o que pode ser prejudicial a quem tenha algum tipo de intolerância.
PRODUÇÃO
Para o processo de produção, o tempo de maturação da massa é de no mínimo quatro horas, podendo se estender por até 24 horas. O tempo varia conforme o resultado que se espera obter. A receita básica para a produção do levain é caldo de cana e farinha de trigo. Após a mistura, durante um determinado período, a massa precisa de cuidado especial, sendo modelada até o tempo ideal para uso.
"Como a levedura é um ser vivo, ela vai consumir os açucares que tem naquela composição e vai liberar alguns gases, até se propagar. De certa forma, ela elimina o que não vai ser consumido. Por isso da renovação, até que se continue propagando a fermentação. Depois disso, em mais ou menos um mês, você já vai ter um levain pronto para consumo", detalha Fernandes, que também enfatiza que, após o processo, basta fazer a "alimentação" da massa para o uso constante.
Além do caldo de cana, o levain pode ser produzido com suco de frutas (como maça, uva ou pêssego), vinho, malte, iogurte ou coalhada. Em sua produção, Fernandes conta com um levain de malte alemão, extraído de uma levedura selvagem, esse, com um sabor mais forte, específico para alguns tipos de pães. Outra base presente no portfólio de produção de Fernandes é um levain com mais de 18 anos, receita de família.
Outro ponto positivo na base é a flexibilidade de armazenamento, possibilitando às pessoas tanto o congelamento, quanto a secagem. Essas formas possibilitam que o produto seja armazenado sem utilização por vários anos, podendo ser reutilizado na posterioridade.
PESQUISAS
Fernandes traz a leitura de diversos artigos e pesquisas que tratam da fermentação natural como benéfica para aqueles que possuem algum tipo de intolerância ao glúten. "Algumas pesquisas já mostram que pessoas que têm intolerância ao glúten, ao consumir o pão 100% com fermentação natural, não têm as reações que elas teriam ao consumir o glúten", conta.
O empresário ainda destaca que "quando você faz o pão com fermento natural, um dos meios de o fermento se propagar e tornar a massa homogênea, para que tenha um pão significativo, é que o fermento levain quebre as enzimas dessa composição, inclusive do glúten, de modo que se desestruture essa massa. Assim, e é feita uma mistura, ocorrem a fermentação e a maturação desse pão fora do organismo".
Os benefícios, segundo ele, podem ter variações conforme o nível de intolerância de cada um. Fernandes visualiza que, caso alguém com intolerância consiga consumir um pão por fermentação natural, "o caminho passa a ser esse".
TENDÊNCIA
A propagação de espaços comerciais com uso de fermentação natural é visto como uma tendência crescente para Fernandes. Ele avalia que haverá um ápice do segmento, mas aqueles que vierem com essência atrelada a um espaço bem definido, terão mercado. "Depois do movimento nouvelle cuisine (nova cozinha), houve uma busca pela volta às origens, mas agora não é mais a origem no sentido remoto, e sim no sentido de qualidade, de essência" finaliza.
Seguindo esse ideal, seu espaço remonta, segundo ele, a um lugar de formação de opinião, "uma reflexão, não só numa perspectiva de saúde, mas também em níveis sócio-antropológicos, de reaproveitamento, do pensamento emergente ao que diz respeito de como a gente vem consumindo, ao que consumir, sobre o que comprar". A transformação do simples conceito de ir comprar um produto natural é um dos pontos centrais do professor universitário e admirador da fermentação natural.
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