Se de um lado o frio estimula a venda de bebidas quentes, como vinho e cachaça, por outro, mudanças tributárias estão freando a sede do consumidor. O setor vitivinícola amarga um duplo impacto. Além da redução de 57% na safra passada de uva, o aumento de tributação agrava a situação de toda a cadeia e o bolso do consumidor. Na cachaça, o imposto é ainda mais elevado, mas pelo menos a produção de cana-de-açúcar se mantém estável e a maior parte dos alambiques tem produção própria. O principal vilão é o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Desde dezembro do ano passado, o tributo passou a ser calculado proporcionalmente ao valor de cada garrafa, e não mais limitado por tipo de produto. As consequências estão sendo sentidas agora, principalmente em relação ao vinho, que está em plena temporada. A reposição dos estoques nas prateleiras já chega com o novo imposto embutido. Os dados mais recentes, até maio, apontam uma redução de 7% nas vendas, de acordo com o Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin). — Os produtos mais prejudicados são os da linha premium e superpremium, que ficaram muito caros na produção e na venda. Estamos perdendo mercado, principalmente para os produtos do Mercosul — aponta Carlos Paviani, diretor-executivo do Ibravin. Segundo Paviani, há uma década, metade dos vinhos nas prateleiras no varejo eram brasileiros. Atualmente, de cada 10 garrafas comercializadas, oito são importadas. A mudança no IPI piora ainda mais o cenário, já que a tributação para marcas nacionais e estrangeiras deixou de ter diferenciação. A vinícola Quinta Don Bonifácio, há nove anos produzindo vinho no interior de Caxias do Sul, sentiu a queda logo no início do ano. Com uma produção voltada a restaurantes e lojas especializadas, a empresa da família Libardi preferiu repassar o aumento do IPI de imediato para não prejudicar a confecção das cartas de preços dos estabelecimentos. Enoturismo é estratégico Entre interromper as obras necessárias ao projeto de enoturismo e demitir colaboradores, os proprietários preferiram a segunda opção, já que a produção caiu. O turismo com degustação e espaço de eventos é a estratégia almejada para diversificar sem sair do ramo. Das 180 mil garrafas produzidas pela Don Bonifácio ao ano, 70% são espumantes, o restante é vinho. O espumante também sofreu aumento de IPI. Mas, como a bebida tem concorrência menor, é menos sazonal que o vinho, além de ter mercado no país inteiro, Marina Libardi, gerente comercial da vinícola, diz que a queda nas vendas foi menor. Mas a preocupação se mantém. — Negociamos com fornecedores, tentamos pagar à vista para conseguir desconto e apertamos os gastos de todas as formas para não perdermos em qualidade — explica Marina. Na ponta inicial da cadeia, as cerca de 15 mil famílias produtoras de uva no Rio Grande do Sul, que correspondem a 90% dos vitivinicultores no país, sofreram duplamente neste ano. Além da perda de mais da metade da safra, corre o risco de menor demanda nos próximos anos pela tributação na indústria. Nem a bebida símbolo do país escapou Completando 500 anos de história este ano, a bebida-símbolo do Brasil também não escapou ao aumento dos impostos. Ao contrário: a diferença no IPI cobrado antes e agora na cachaça chega a 500%. As consequências têm sido dramáticas, segundo o diretor de Cachaça da Associação dos Produtores de Cana de Açúcar e Derivados do RS (Aprodecana), Evandro Weber: o fechamento de alambiques gaúchos ou a inclinação para a informalidade. — Lutamos há tanto tempo pela legalização da atividade, pela qualidade do produto artesanal e orgânico, e estamos sendo penalizados por isso. Quem saiu ganhando foi a cachaça industrializada, de preço baixo e sem valor agregado — afirma Weber. Diretor da Casa Bucco, Moacir Alberto Menegotto conta que a cachaçaria com nove décadas de existência só não fechou as portas por causa do turismo. A propriedade de 46 hectares produz a cana processada no alambique e conta com restaurante, pousada, visitação ao alambique artesanal de cachaça e graspa (destilado da uva), trilhas ecológicas e pomares, recebeu mais de 10 mil visitantes no ano passado. — Se dependêssemos somente da destilaria, teríamos fechado, porque a venda caiu, pelo menos, pela metade se comparada ao ano anterior — aponta Menegotto. O impacto no preço final ficou em torno de 35% e, aliado à crise econômica, trouxe outro impacto para as marcas consolidadas. De acordo com o diretor da Aprodecana, que preside a cachaçaria Weber Haus, o cliente fiel que antes comprava uma garrafa premium de R$ 100, agora leva um produto de menos valor agregado por esse preço. Estratégias de sobrevivência Os malabarismos para manter a fidelidade e o consumo dos clientes são diversos — e bem pessoais. Por isso, Carlos Paviani, diretor executivo do Ibravin, considera difícil falar pelas empresas. Mas faz uma distinção entre micro e grandes vinícolas: — Os pequenos fabricantes sempre sofrem mais, mas, por outro lado, têm mais mobilidade, podem conversar direto com o fornecedor e com o cliente. Os grandes, que vendem principalmente nos supermercados, sofrem muito com a concorrência dos importados, mas têm variados canais de venda — aponta Paviani. Se fosse apontar uma particularidade comum, independentemente de porte da empresa, o diretor brinca: — Nossa melhor estratégia é o frio. Para não depender apenas do consumo, o setor vitivinícola está pressionando o governo federal. O objetivo é conseguir, por meio de decreto, que a alíquota sobre a garrafa de vinho seja reduzida para 6%. No ramo da cachaçaria, além de pleitearem a redução do IPI para pelo menos 20%, as empresas pedem a inclusão dos micro e pequenos produtores artesanais (que representam 99% dos fabricantes gaúchos) no Simples Nacional. — Daria ao menos um respiro para os alambiques — aponta Weber. No outro extremo, o consumidor não tem muita escolha. Pode tentar pechinchar negociando direto com o fabricante ou usar a internet para pesquisar os melhores preços.
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